A hiperuricemia, nome que é dado quando o nível sanguíneo de ácido úrico está elevado, é o principal fator de risco para o desenvolvimento de uma forma de artrite chamada gota. Todavia, se podemos dizer com alguma certeza que todo paciente com gota tem ácido úrico alto, o oposto não é verdadeiro. Vários pacientes têm níveis elevados de ácido úrico, mas nunca desenvolvem crises de gota. Portanto, a dúvida que surge é: ter ácido úrico alto, sem porém desenvolver sintomas, traz algum risco à saúde do paciente?
O que é ácido úrico?
É uma substância produzida pelo fígado após a metabolização das purinas, um conjunto de compostos orgânicos, que inclui entre outros a xantina e a hipoxantina, que estão presentes em diversos tipos de alimentos, principalmente nos de origem animal. Cerca de 40% das purinas são obtidas pela dieta e os 60% restantes são produzidas pelo nosso próprio organismo. Portanto, uma dieta rica em purina é capaz de aumentar significativamente a quantidade de ácido úrico produzido pelo fígado, motivo pelo qual a dieta é uma das principais armas contra a hiperuricemia.
O ácido úrico é uma substância com baixa capacidade de solubilização. Em geral, os níveis de AU no sangue precisam estar
abaixo de 6,8 mg/dl para que ele fique totalmente diluído. Quanto mais acima desse limite o ácido úrico sanguíneo estiver, maior é o risco dele formar cristais de urato (o urato de sódio é um tipo de sal produzido quando o ácido úrico solidifica-se) e precipitar nas articulações.
Ácido úrico do ponto de vista evolutivo
A gota é uma doença que no reino animal ocorre quase que exclusivamente nos seres humanos. Isso ocorre porque nos grandes primatas, principalmente nos humanos, gorilas e chimpanzés, o ácido úrico é o produto final da metabolização das purinas. Já nos outros mamíferos, o AU é transformado pelo fígado em alantoína, uma substância bem mais solúvel e de mais fácil excreção.
A transformação do AU em alantoína é feita através de uma enzima chamada uricase. Há cerca de 13 milhões de anos, o gene que produz a uricase sofreu uma mutação, e a linhagem dos primatas que deu origem aos chimpanzés, gorilas e humanos perdeu a capacidade de metabolizar o ácido úrico. A gota é, portanto, uma herança evolutiva dos primeiros hominídeos.
Como nós humanos costumamos ter uma dieta rica em purinas, somos a única espécie que acaba desenvolvendo níveis de ácido úrico sanguíneos acima da sua capacidade de diluição.
A concentração de AU no sangue é o resultado do balanço entre a produção pelo fígado e a capacidade dos rins, e em menor parte dos intestinos, de excretar o ácido úrico em excesso. A maioria dos pacientes com hiperuricemia, portanto, apresenta uma dieta rica em purinas e/ou uma redução da sua capacidade renal de excretar o ácido úrico.
Estima-se que cerca de 25% dos homens possuem níveis de AU acima de 7,0 mg/dl, valor a partir do qual dizemos que o paciente tem hiperuricemia. Nas mulheres, o risco de hiperuricemia é mais baixo, pois o estrogênio aumenta a capacidade renal de excreção do AU. No sexo feminino, o limite da normalidade é de
6,0 mg/dl.
A imensa maioria dos paciente com doenças relacionadas ao ácido úrico são homens. Somente após a menopausa é que a hiperuricemia costuma ser um problema para as mulheres.
Como o ácido úrico deposita-se nos tecidos
Como já explicado, o ácido úrico apresenta maior risco de formar cristais de urato quando a sua concentração sanguínea encontra-se acima de 7,0 mg/dl. Porém, esse não é o único fator que interfere na sua capacidade de diluição.
O AU é mais solúvel em temperaturas elevadas e menos solúvel em temperaturas baixas. Ao contrário do sangue, que possui uma temperatura média de 37°C, as articulações são sensivelmente mais frias, apresentando uma temperatura média de 32°C. É por isso que o ácido úrico tem uma tendência a formar cristais e a precipitar ao redor das articulações.
A deposição de urato nas articulações provoca uma intensa reação inflamatória, levando ao quadro conhecido como artrite gotosa, que é uma forma de artrite extremamente dolorosa.
Se os níveis de ácido úrico permanecerem elevados por muito tempo, ele pode começar a se depositar em locais mais quentes, como a pele e os rins.
Riscos da hiperuricemia
Nem todo mundo que tem o ácido úrico elevado acaba por desenvolver gota. Não é raro encontrarmos pacientes totalmente assintomáticos com níveis de AU ao redor de 9,0 ou 10 mg/dl. Isso não significa, porém, que o risco não seja elevado.
Os pacientes que apresentam ácido úrico alto apresentam maior chance de desenvolver 3 tipos de doença:
- Gota;
- Cálculos renais;
- Nefropatia por urato.
Risco de gota em pacientes com ácido úrico elevado
O risco de desenvolver gota vai se tornando cada vez maior conforme os níveis sanguíneos de AU vão se elevando
acima de 7,0 mg/dl.
Após 15 anos de hiperuricemia com valores entre 7,1 e 8,9 mg/dl, cerca de 10% dos pacientes acabam por desenvolver episódios de artrite gotosa. O risco de gota começa a se tornar muito alto a partir do valor de 9,0 mg/dl. Estudos mostram que após apenas 5 anos de ácido úrico maior que 9,0 mg/dl, cerca de 1/4 dos pacientes desenvolve crises de gota.
Algumas características clínicas dos pacientes aumentam a chance da sua hiperuricemia evoluir para gota. São elas:
- Elevado consumo e bebidas alcoólicas;
- Estar com sobrepeso;
- Ter diabetes mellitus;
- Estar medicado com diuréticos ou outros medicamentos para hipertensão arterial;
- Ter uma dieta rica em carnes.
Risco de gota tofácea nos pacientes com ácido úrico elevado
Após cerca de 20 anos de gota e hiperuricemia mal tratada, o paciente começa a desenvolver tofos nas suas articulações e pele. As lesões são provocadas por inflamação e deposição crônica de cristais de urato nestes sítios.
O tofos podem ser múltiplos, grandes e frequentemente provocam deformidades, principalmente nas mãos, cotovelos ou pés.
Risco de cálculo renal em pacientes com ácido úrico elevado
A hiperuricemia crônica também pode estar relacionada ao surgimento de cálculos renais compostos por ácido úrico.
Ao contrário da gota, que está intimamente ligada aos níveis sanguíneos de AU, a formação de pedras nos rins depende mais do pH da urina e da quantidade de ácido úrico excretado pelos rins.
Os pacientes sob maior risco são aqueles com pH da urina persistentemente abaixo de 5.5 e uma excreção urinária de ácido úrico maior que 1100 mg por dia (o valor normal é menos que 800 mg/dia). Um valor assim tão elevado de ácido úrico na urina só costuma ocorrer nos pacientes com hiperuricemia acima de 9,0 mg/dl.
Risco de nefropatia por urato em pacientes com ácido úrico elevado
Uma outra forma de doença renal provocada pela hiperuricemia é a deposição de ácido úrico nos rins, o que provoca inflamação renal e risco de insuficiência renal crônica.
Felizmente, esse tipo de lesão só ocorre nos pacientes com valores muito elevados de ácido úrico, geralmente maiores que 13 mg/dl nos homens ou 10 mg/dl nas mulheres.
Outras possíveis doenças relacionadas com o ácido úrico elevado
Alguns estudos mostram uma clara relação entre os níveis de AU e uma maior incidência de doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes.
O problema é que não se conseguiu até o momento estabelecer uma relação causal entre esses dois fatores. Por exemplo, sabemos que pacientes hipertensos costumam ter valores de AU elevados, mas isso não significa que a hiperuricemia seja a causa da hipertensão. Corroborando com esse pensamento está o fato da redução dos valores do ácido úrico com medicamentos não alterar em nada a hipertensão do paciente.
Quando o ácido úrico deve ser tratado
A hiperuricemia deve ser tratada sempre que o paciente tiver alguma doença relacionada com a deposição de cristais de urato (nefropatia por urato, nefrolitíase ou gota).
Não há indicação para tratar os pacientes com hiperuricemia assintomática, a não ser nas seguintes situações:
- Valores sanguíneos de ácido úrico persistentemente acima de 13 mg/dl nos homens ou 10 mg/dl nas mulheres.
- Pacientes com hiperuricemia acima de 8 mg/dl e com excreção urinária de ácido úrico maior que 1100 mg por dia.
Em ambas situações, o medicamento indicado é o
alopurinol.
Dieta apara baixar o ácido úrico
Todo paciente com níveis de AU que maiores que 7,0 mg/dl nos homens ou 6,0 mg/dl nas mulheres devem ser estimulados a evitar alimentos ricos em purinas. Alguns exemplos são:
- Carnes: bacon, porco, vitela, cabrito, carneiro, miúdos (fígado, coração, rim, língua).
- Peixes e frutos do mar: salmão, sardinha, truta, bacalhau, ovas de peixe, caviar, marisco, ostra, camarão.
- Aves: peru e ganso.
- Bebidas alcoólicas.
Além de evitar alimentos ricos em purinas, o paciente também deve tentar perder peso (se estiver com IMC acima de 25) e beber pelo menos 1,5 a 2 litros de água por dia.
fonte: mdsaude.com/2017/05/acido-urico-alto.html
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